As montes estavam ocultos pelo nevoeiro. Mas o GPS conduziu-me por estradas secundárias, cortando o caminho até Viana. E essas estradas, nos vales, passavam por aldeias e lugares cheios de sol, cheios de cor. As árvores, de várias espécies, tinham cores outonais, e muitos campos tinham apenas as canas, após a colheita do milho, erguidas, hirtas, secas. Outros estavam vazios de culturas, tendo apenas uma vegetação rasteira, também ela seca, cor de palha. Só nos jardins das casas se via o verde das ramagens e flores de muitos tons.

    Quase não se viam as casas antigas do Minho, de pedra e com alpendre, telhado de telha e arbustos frondosos. Eram todas novas, rebrilhando ao sol, com as suas cores da nova interpretação da tradição lusa, os ocres amarelos e alaranjados, algumas negras, quase sem janelas, substituídas por grandes vidraças opacas.

    Não vim para aqui para reviver a minha infância, Mas não deixei de pensar nas velhas casas do tempo dos meus avós, pequenas e simples, onde havia apenas uma sala, que servia de escritório, hall de entrada e sala de jantar. Num canto ainda disponível, dois sofás dos anos 50, contrastando com a restante mobília dos anos 20 ou 30, quando os Portugueses compravam aqueles móveis sólidos para durarem toda a vida, ou traziam da casa dos seus pais ou, até, avós ou tias solteiras, mobílias ainda mais antigas. E se a sorte tivesse sido favorável, as cadeiras mantinham o seu tampo de palhinha entrelaçada, e o cadeirão da escrivaninha estava ainda sólido, com o seu tampo de pele trabalhada. Atrás, a principal estante, com os velhos livros clássicos e com as obras dos escritores portugueses, todas lidas ao longo de gerações, escritas com grafias antigas, caídas em desuso, com os ph, os ff, os h, c e p que agora desapareceram, e os y que só são usados em palavras estrangeiras. E havia um piano, onde só o meu tio tocava, todos os dias, ao cair da tarde, e a guitarra do meu primo, que raramente era usada.

    Também os quartos, simples e decorados com colchas, feitas à mão durante o duro inverno, e a cozinha, que deixara de ter a sua função de local de reunião familiar, mas que mantinha a lareira a lenha, o fogão de ferro fundido, o fogão a gás e, ao centro, a mesa velha e as cadeiras frágeis, desconjuntadas, que rangiam, populares.

    Era na sala de jantar que, sentados nos sofás ou em pequenas cadeiras de costura, se rezava o terço, antes de todos se irem deitar. Mesmo com a chegada da eletricidade às aldeias, muitos anos passaram até que surgisse um televisor, ou um gira-discos, usados com parcimónia.

    No verão, quente e húmido, no alpendre recebiam-se as pessoas e a família sentava-se, conversando. O tempo alongava-se, numa paz que parecia tangível. Oh! Como era difícil ser jovem, naquela época. Eu, que era uma simples criança, achava tudo tão normal como os dias agitados da casa dos meus pais, na cidade, que, na época, era apenas vila, onde passavam carros sem parar, as pessoas não se detinham e só as mulheres paravam nas lojas, conversando enquanto chegava a sua vez para serem atendidas. Baixinha, era a última porque raramente me viam do outro lado do balcão. Eu sofria com aquela desprezo e tinha saudades da Meadela, onde não tinha nada que fazer senão aborrecer o gato, subir às macieiras e pereiras, esperar pelos meus primos que, chegando da escola, de mim fugiam, mas cuja presença tudo modificava.

    Agora, que me instalei num apartamento com as paredes rasgadas por varandas, sinto o frio da solidão e lembro-me do aconchego das casas antigas, sinto saudade do desprezo à eletricidade, e tenho saudade do calor humano das velas e dos candeeiros a petróleo, que encurtam o espaço e criam um círculo ameno de felicidade, mesmo quando ela escasseia. Ainda há poucos anos, falhando a luz na cidade onde vivo, ao cair da tarde coloquei no alpendre várias velas acesas e na mesa uma travessa cheia de triângulos de pizza que fiz no meu fogão a gás. Nos copos, a Coca Cola que, na altura, ainda não tinha sido condenada pelos jovens. E foi assim que, naquele círculo de luz criado pelas velas acesas, as nossas relações mãe-filhos, que estavam muito danificadas pela vida, foram restabelecidas. Na minha mente surgiam imagens da alegria sem fim que sentia quando, em casa dos meus pais, a luz também faltava, essa frequentemente, e era aceso o candeeiro do meu avô, americano, que inundava o fundo do corredor, a sala de jantar e o hall de entrada, sozinho, enquanto as velas iluminavam a sala de todos os dias e a sala de estar, causando grande satisfação.


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